quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Velhice




De toda forma, ela ainda esperava. Fazia mais ou menos 6, talvez 5 anos que ninguém mais a visitara. A última ligação que recebeu foi a quase um ano. Essa, veio junto com uma promessa de visita no próximo fim de semana.

Talvez eles só haviam atrasado.

Ela evitava ir ao jardim ou fazer longas caminhadas do lado de fora, pois tinha medo de eles virem e irem embora sem ao menos vê-lo.
Jogava dama, comia sopa, tomava todos os seus remédios pontualmente. A pressa que tinha morreu no mês passado. 

Agora fica só na varanda esperando por algo. 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Jardim



Ela havia encontrado um jardim.

Onde estava não era sua casa, mas achava o lugar bonito. Sorriu pela primeira vez naquele dia quando uma joaninha subiu na sua mão, sentiu as pequenas patas roçando-lhe os dedos enquanto o inseto passeava entre seus dedos. Se agachou e depositou o inseto junto as plantas próximas. Avistou de longe um botão de flor, uma flor cor amarelo canário

- Vou te chamar de Helena, igual a minha mãe.

Arrancou a flor da terra, Helena, foi até o jazigo de Helena e a depositou. Continuou brincando no jardim do cemitério, enquanto a flor, prematuramente arrancada, murchava, assim como sua mãe.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

um pensamento comum



Tudo que eu queria era poder correr livremente. Sentir a chuva e o calor do Sol. 

O mundo é diferente das utopias criadas e sempre achamos que as coisas vão melhorar. Mas será que vão mesmo? Eu não tenho mais tanta esperança como tinha antigamente, eu acreditava que poderíamos realizar algo grandioso.

Hoje eu só quero chegar em casa antes de meus filhos dormirem, quero que o ônibus não esteja lotado para conseguir pelo menos me sentar em um banco duro e cochilar um pouco, sonhar um pouco que um dia poderei correr livremente, sentindo a chuva e o calor do Sol.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

café da manhã


Ela se levantou da mesa. 

Ele a fitou com um olhar fixo, de medo talvez. Não sabia aonde ela iria. 

E se realmente fosse embora? Não poderia suportar tal ideia. Ela era seu pilar, o que fazia ele ser o que era: O homem bem-sucedido; sem medo de arriscar; másculo; modelo de homem ideal na sociedade atual. Ela era apenas o que sustentava ele, que acolhia-o nas aflições, que dava concelhos, que mostrava onde ele estava errando e acertando, que motivava-o.

Agora ela se foi, não porque cansou dele, mas porque encontrou outra forma de viver. Queria conhecer novas pessoas e lugares. A vida é assim mesmo. Ela queria ser a protagonista da trama, não queria apenas abrir as cortinas para ele passar. E foi vendo as cortinas se fechando naquela manhã, com um gosto de café amargo, mal preparado, gelado, que ele chorou. Cada lágrima derramada não a trouxe de volta, a decisão dela era totalmente imune e qualquer movimento ou sentimento que ele ousasse ter.

Decisões para ela eram sem volta. E foi- se.

Ele não é mais o mesmo. Vendeu todas as ações, come e dorme mal. Não tem mais o brilho nos olhos, não busca mais algum futuro investimento. Liga a televisão de vez em quando, sai com o cachorro pela manhã, come algo pré-cozido à tarde. Ele sabe que não poderia mudar a opinião dela, ela é livre, ele é livre, mas para ele a liberdade não é assim tão prazerosa sem ela. Hoje está livre de todas as responsabilidades, mas se senti tão preso que ainda não conseguiu levantar da mesa de café. 

terça-feira, 15 de novembro de 2016

loucura comum



Escrevia compulsivamente. 
Fazia isso enquanto podia, enquanto sua sanidade ainda não havia partido. Estava enlouquecendo e sabia. Escrevia palavras de amor e perdão para a mulher e os filhos. Como era bom ter para quem escrever, pensava.

Assim, suas mãos ficaram frias, a caligrafia embaraçada, fitava o baixo centro da parede à sua frente com a boca aberta.
Sob a mesa, um pedaço de papel dizia “Não esqueçam de ...”

domingo, 13 de novembro de 2016

Cigarro



Eu fumei, senti toda a fumaça saindo de mim e se esvaindo no ar, naquele cigarro que era consumido pelo calor do fogo e pela força de uma tragada. Percebi que o cigarro, a fumaça, a tragada, tudo é vida, é aquele momento; Eu busco, sugo algo do mundo, enquanto aquilo é consumido não somente por mim, mas pela própria vida. Aquilo que trago eu solto no mundo e isso se esvai como a fumaça do cigarro.

Eu fumei, e percebi que a vida é o fogo, e eu? Eu sou um simples cigarro barato, que é consumido pelo fogo e tragado pelos outros, que me soltam como fumaça por aí.