sexta-feira, 15 de setembro de 2017

no meu tempo




- Esse país nunca vai melhorar! - Falava o senhor de barba grisalha e cabelo ralo.


- No meu tempo tinha respeito, tinha educação. Hoje jovem não quer ouvir o mais velho, só quer festa, só quer droga, mulher fica na rua até tarde, anda de roupa curta. Depois reclama!


Continuava de forma eufórica o seu discurso, corava um pouco para o rosa salmão as maçãs do rosto. Tomava fôlego e prosseguiu:


- Não tinha tanto ladrão na rua, nem na política. A gente podia andar por aí. Não era assaltado, morto. Policial era respeitado. Isso é tudo culpa do prefeito, deixa esses arruaceiros ficarem quebrando bancos.


Sozinho, ficava na sua casa todos os dias. 

Aposentado, não tinha amigos vivos. 


De frente para TV, apontava o dedo e dizia


- Tem razão! Esses gays são uma depravação, na minha época não tinha isso.




domingo, 10 de setembro de 2017

princesa



Todo dia, após  a mãe  sair de casa, ela pegava o vestido.

Gostava de se olhar no espelho vestindo aquele traje que parecia levar a uma terra encantada.


Girava dançando, os pés puxando o vestido que arrastava no chão. Nem notava. As pontas ficaram sujas, carimbadas com os dedos curtos da menina.


Rodava


Sorria


Em sua valsa tudo acontecia como ela queria. Em seu estado de epifania, se imaginava princesa, da qual podia passar o dia sem pensar em limpar a casa, fazer almoço para o pai, buscar o irmão mais novo na escola, ir para a escola, fazer lição de casa, lavar a louça do jantar, arrumar a sala e a cozinha, colocar irmão para dormir.


Ali ela seria princesa de um reino mágico, e como princesa, sua mãe não poderia lhe bater com um cinto, chinelo, com vassoura ou com a mão por ter passado o dia todo brincando.


domingo, 3 de setembro de 2017

A dona do cão



O ser sem raça definida não parava de rosnar para mim. Um merdinha daquele e eu não podia nem dar um chute na casa da boazuda que estava tentando impressionar. Ainda acho sorte na minha situação física de paralisia, ser agraciado com uma mulher tão bonita interessada em mim.


O que mata é esse cão sarnento.


Odeio essa praga quadrúpede.


Começou a me cheirar. Era o que faltava.

Vivem com esses olhos arregalados, implorando misericórdia e amor.

Patéticos.


- Você gosta de animais? – Pergunta a mulher do outro cômodo.


- Adoro animais – respondo cinicamente.


Eu penso em dar um chega pra lá no vira-lata, mas meu pé não responde ao comando.

Que droga de vida!


Ainda lembro da noite do acidente que me deixou nesse estado débil. Tudo por culpa de um cachorro miserável.

Ainda dizem que a culpa foi minha, que eu estava acima de 100km/h em uma zona urbana.

Quer saber?! À merda com esses moralistas! Cadê as carrocinhas para tirar esses animais da rua?


Eu bati a cabeça na guia da rua, mas pelo menos o cão voou longe. Foi o que disseram!


- Então meu benzinho? Está pronta?

- Você não vai acreditar, o totó fez xixi em cima da cama, e agora? – Responde ela com voz de desapontamento.


Eu odeio essa praga quadrúpede.