terça-feira, 11 de setembro de 2018

O segurança



As noites eram longas naquele lugar. Entrava e saía gente, bonita e feita.

Como segurança, ficava o tempo todo de pé, sempre de guarda na porta do muquifo, era uma noite abafada, parecia sem fim. Suas pernas doíam.


- Odeio essa merda de emprego. Só tô aqui por necessidade mesmo. Mas queria mesmo era voltar a trabalhar de garçom. Trabalhei vários anos, sabia?! Pois é, ali era bom. – Conversava  com um cara que sempre aparecia sem dinheiro para entrar e tentava ganhar a simpatia do segurança e embarcar como penetra.


Chegava gente e o segurança revistava, deixava passar, mandava deixar a garrafa comprada fora da festa e dizia “não pode entrar com bebida de fora, me desculpa” numa voz sempre respeitosa e com uma certa intimidade com o dono da bebida.


Nessa noite não teve confusão. Ele agradeceu. Assim não tinha que ir apartar pancadaria de mauricinho nenhum certa hora da madrugada.

O dia já começava a nascer, sabia que o expediente estava terminado. Entrou no clube. O pessoal da limpeza começava a mandar os últimos baladeiros embora. Foi no banheiro onde alguém vomitava no mictório, entrou em uma cabine minúscula e trocou de roupa.


Chegou em casa quando o silêncio ainda reinava. Foi para a cama ao lado da esposa, relaxou.

O recém-nascido no berço a frente da cama chorou bem quando começava a pegar no sono. Levantou aturdido, colocou a criança nos braços e a ninou até se calar.


A mulher gemeu se espreguiçando e assim começou mais um dia.   





quinta-feira, 3 de maio de 2018

CLT






Hoje meu chefe me xingou.

Incompetente, burro, preguiçoso.

Eu segurei tão forte a mão na quina da mesa de seu escritório, que dói até agora.

Pensei muito em jogar a mesa sobre ele, de quebrar a cara daquele merda, mas não o fiz.

Nosso filho precisa de fralda, leite, remédio.

Hoje meu patrão me assediou.

Delicia, gostosa, pegável.

Eu segurei tão forte a raiva e o choro, que dói até agora.

Pensei muito em jogar o computador sobre ele, de mandar ir a merda e sair fora daquele lugar, mas não o fiz.

Nosso filho precisa de roupa, creche, teto.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

quem me dera




Ah, quem me dera
se eu fosse
Insolente, 
Prematuro

se eu não ficasse em cima do muro
e tomasse 
atitude.
Tomasse partido.

Te amaria,
choraria
teria sofrido

Mas isso é consequência de ter vivido
e eu não vivo.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O Empregado




Eu odeio esse emprego.


Odeio ter que mentir para as pessoas falando que estou vendo o aumento de salário delas, quando na verdade só quero entrar na internet e ver um pornô no expediente. Eu não me gabo com isso, ao contrário, eu fico triste pra caralho por isso.


Na hora do almoço eu vejo os olhares atravessados, os murmúrios, os punhos fechados e rígidos. Tudo isso é direcionado para mim, não tem como negar. E eu realmente me sinto um cusão por ser assim.


A promoção que eu aceitei…

O cargo…

Eu tinha outra visão.


Agora me sento em um restaurante melhor do que o do ano passado. O VR aumentou e me proporcionou essa regalia, mas não converso com ninguém, sou cercado de odio pelos empregados e que já foram colegas de trabalho.


Chego em casa tarde, saio cedo, não tenho tempo para minha esposa, nem para passear, só  quero dormir, ando estressado e abatido.


Eu odeio esse emprego.



terça-feira, 5 de dezembro de 2017

conversa em ponto de ônibus



- Oi


Ele a olha com desejo quase animal - quanto tempo hein?


- você sumiu - ela não nota o olhar dele, mas devolve um de não acreditar no azar que deu de encontrá-lo. Ele não percebe.


O homenzinho cerca de seus cinquentasessenta anos se perde nos argumentos para justificar seus sumiços.


- tava trabalhando muito. Eu vivo indo para o interior, sabe… Marília, Atibaia. 


- eu gosto muito do interior, pretendo me mudar daqui a uns doistrês anos.


- Ó, ó. Isso aí é bom. Não quer me levar junto? - pergunta ele com cinismo.


O sol não dá trégua, o ônibus não passa, a mulher sem jeito de dar um fora no chato, talvez por já ter vivido algo, responde sutilmente.


- Na verdade, vão me levar. 


A piada não surte o efeito desejado, o cara é mais direto 


- você está mais linda do que antes, já casou?


- estou enrolada.


É o estopim para o desapontamento. Mas a cachaça previamente tomada já subiu a cabeça e de rosto vermelho pelo álcool pelo sol já entrega o que o bafo revelava.


- Ah. Hum. Enrolada...


Ele não consegue achar nenhuma frase de efeito.Uma sinapse escapa da mente turva.


- você pode desenrolar dele que a gente casa da noite pro dia - diz ele como tentativa. 


A mulher, de vestido, no sol, esperando o ônibus, ri da ousadia do homem. Um pouco da sensação de sentir-se desejada toma a mente dela, aliás já passou dos 40 e já aguentou duas gravidezes . 


Está bem conservada, como observa ele.


- tem tanto lugar bonito, o que falta é o dinheiro pra conhecer tudo. - diz ela na inocência de encerrar o assunto.


- eu te levo pra ó. Santos, Bahia, Ilhéus e ... Porto de Galinhas.


O ônibus não passa, o sol também não.


Ela disse que vai casar com o outro daqui a trêsmeses.


Ele diz que precisa levar o filho adolescente ao dentista.


- se cuida - ela diz


Ele levanta a mão com o corpo já de costa.


A mulher tem a testa, o buço, os seios suados.  O ônibus vem lá no fim da rua.



segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

pelada


Das peladas que aconteceram na minha infância, uma foi emblemática.


Betinho era um palerma, não sabia chutar, correr ou ficar no gol. Era o dono da bola.


Um dia de sol nervoso depois da escola, todos foram para o terreno que havia perto da minha casa e servia de depósito de lixo, pois também servia de campo de futebol.


Antes da partida começar, Betinho foi logo falando


- eu que escolho o time


A bola rolava, ninguém tocava para Betinho. Esperneava e fazia cara azeda. Ameaçou pegar a bola, xingou a mãe de Neto, que xingou de volta e ameaçou dar-lhe uns cascudos.


Depois  disso o jogo rolou por um tempo, até que Betinho começou a jogar com violência. Chutou o joelho de um, rasgou a camisa de outro, deu um soco em Neto na disputa  de bola.


Até que na hora do gol, pegou a bola na mão e disse que ia embora.


O pessoal, cego de raiva de Betinho, derrubou ele. Começaram chutes e socos.


A mãe  chamou pro almoço, todos foram.


Betinho ficou desmaiado no terreno.


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

no meu tempo




- Esse país nunca vai melhorar! - Falava o senhor de barba grisalha e cabelo ralo.


- No meu tempo tinha respeito, tinha educação. Hoje jovem não quer ouvir o mais velho, só quer festa, só quer droga, mulher fica na rua até tarde, anda de roupa curta. Depois reclama!


Continuava de forma eufórica o seu discurso, corava um pouco para o rosa salmão as maçãs do rosto. Tomava fôlego e prosseguiu:


- Não tinha tanto ladrão na rua, nem na política. A gente podia andar por aí. Não era assaltado, morto. Policial era respeitado. Isso é tudo culpa do prefeito, deixa esses arruaceiros ficarem quebrando bancos.


Sozinho, ficava na sua casa todos os dias. 

Aposentado, não tinha amigos vivos. 


De frente para TV, apontava o dedo e dizia


- Tem razão! Esses gays são uma depravação, na minha época não tinha isso.