terça-feira, 5 de dezembro de 2017

conversa em ponto de ônibus



- Oi


Ele a olha com desejo quase animal - quanto tempo hein?


- você sumiu - ela não nota o olhar dele, mas devolve um de não acreditar no azar que deu de encontrá-lo. Ele não percebe.


O homenzinho cerca de seus cinquentasessenta anos se perde nos argumentos para justificar seus sumiços.


- tava trabalhando muito. Eu vivo indo para o interior, sabe… Marília, Atibaia. 


- eu gosto muito do interior, pretendo me mudar daqui a uns doistrês anos.


- Ó, ó. Isso aí é bom. Não quer me levar junto? - pergunta ele com cinismo.


O sol não dá trégua, o ônibus não passa, a mulher sem jeito de dar um fora no chato, talvez por já ter vivido algo, responde sutilmente.


- Na verdade, vão me levar. 


A piada não surte o efeito desejado, o cara é mais direto 


- você está mais linda do que antes, já casou?


- estou enrolada.


É o estopim para o desapontamento. Mas a cachaça previamente tomada já subiu a cabeça e de rosto vermelho pelo álcool pelo sol já entrega o que o bafo revelava.


- Ah. Hum. Enrolada...


Ele não consegue achar nenhuma frase de efeito.Uma sinapse escapa da mente turva.


- você pode desenrolar dele que a gente casa da noite pro dia - diz ele como tentativa. 


A mulher, de vestido, no sol, esperando o ônibus, ri da ousadia do homem. Um pouco da sensação de sentir-se desejada toma a mente dela, aliás já passou dos 40 e já aguentou duas gravidezes . 


Está bem conservada, como observa ele.


- tem tanto lugar bonito, o que falta é o dinheiro pra conhecer tudo. - diz ela na inocência de encerrar o assunto.


- eu te levo pra ó. Santos, Bahia, Ilhéus e ... Porto de Galinhas.


O ônibus não passa, o sol também não.


Ela disse que vai casar com o outro daqui a trêsmeses.


Ele diz que precisa levar o filho adolescente ao dentista.


- se cuida - ela diz


Ele levanta a mão com o corpo já de costa.


A mulher tem a testa, o buço, os seios suados.  O ônibus vem lá no fim da rua.



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